Mário Louro
Enólogo desde quase sempre, foi cedo que herdou a arte de seu pai.
Em 1976 passou a desempenhar funções na Câmara de Provadores passando a ser membro do júri de concursos nacionais e internacionais, como o Concurso Mundial de Vinhos (1979) e MUNDUS VINI (Alemanha).
Da elaboração dos programas de rotas de Vinho para a Expo 98, à coordenação do Projecto para o Conhecimento dos Vinhos Portugueses na Ásia, muitas foram as actividades no mundo dos vinhos ao longo dos anos.
Formador para profissionais desde 1991 e para enófilos desde 2000, destaca-se como formador da disciplina de Enologia na Escola Hoteleira do Estoril e Lisboa.
Foi ainda desde 2007 Director do Concurso Nacional de Vinhos, onde em 2012 estiveram presentes 198 rovadores nacionais e estrangeiros.
Escreveu dois livros: “Quinta da Lapa” e “Uma Historia de Vinho”, e é actualmente cronista regular para vários jornais e revistas.
ENTENDER O VINHO | Vinho: arte, ciência ou bluff?

Guy Renvoisé,  um amador de vinhos escreveu o livro “Le Monde du Vin,art  ou bluff “, denominado por todos  como o mais honesto e mais seguro. Pouco a pouco foi considerado, um génio porque o seu saber era assaz organizado, e foi entendido como competente e verdadeiro.

Convidado que fui para elaborar uma conferência sobre o Vinho: Arte, decidi acrescentar “bluff “ porque reconheço que as palavras daquele autor têm algum sentido e acrescentei a "ciência", porque o fenómeno  do vinho atingiu neste momento o apogeu na área da investigação, trazendo a lume todos os dias novos conceitos  de  evolução,  perspectiva e reconhecimento.

O Vinho como forma de Arte terá várias leituras, já que a criatividade está na origem da feitura de tão precioso líquido.
Alguns autores não o esquecem como fenómeno social, salutar e alimentador do prazer do sabor e da mestria aromática ressalvada em memórias olfactivas “desenhadas”  e registadas.

Pisado que foi a pé, sem separação da parte lenhosa, vive dezenas de anos sem cuidados extremos e com uma capacidade de vida estranha mas real.

No século XIX surgem já algumas ajudas externas para criar resistências e adornar o próprio género do produto, melhorando o seu aspecto, cor e capacidade de vida, criando assim em muitos, a necessidade de contrariar a forma de elaboração e definir claramente o que se pretende deste líquido.
É o caso da baga de sabugueiro para dar melhor cor, ou uma aguardente que resulte da destilação em alambiques originais que adicionada ao vinho evita o desenvolvimento de bactérias que podem  resultar na azedia.

Entrámos no século XX e é preciso chegar a 1980 para reabilitarmos uma nova arte de elaborar o vinho.
Por esta altura, apesar da feitura ser a pés, ser em tonéis de madeira de 14 cm de aduela de fundo ou em depósitos de cimento, começa-se a separar o trigo do joio, a parte sólida e lenhosa, as uvas esmagam-se e curtimentam-se. Algo de novo surpreende a arte de fazer vinho!

Nascem agora vinhos de muito pouca cor, tenta-se agradar a novas bocas, novos hábitos ou desejos. Inova-se.
Por exemplo, o vinho Mateus Rosé é lançado como arte para atrair mulheres desconhecedoras e sensíveis, através do olhar, pela beleza do produto, como se fosse  um “blush”, ou ainda pela suavidade da doçura do gosto, menos álcool, menos cor, mais beleza, mais prazer nos aromas. 

Chegámos aos dias de hoje e atrevo-me a falar de uma arte paralela que é a elaboração de novas vasilhas para vinhos diferentes. Fugimos de uma arte utilizada no fundo dos toneis, como exemplo a Itália  e Alemanha, e voltámos a madeiras novas transformadas em barricas, balseiros, toneis de grão fino, ou queima mais ou menos acentuada ou em chips identificados.
Entrámos em notas aromáticas diferentes, à fruta e às compotas associámos agora os caramelos, os torrados e as especiarias, como se uma nova caixa de aromas se tivesse aberto ao novo consumidor. 

A Ciência vem por arrasto, a investigação tem caminhado a passos muito largos. Os nomes de cientistas ligados à vinha e ao vinho começam em Vicêncio Alarte (1712), passam por Ferreira Lapa, Batalha Reis, António Augusto de Aguiar, Cincinatto da Costa, Emile Peynaud ou Pascal Riberau Gayon.

Assim chegamos ao final século XX, com a Enologia ciente que a vinificação moderna está de braço dado com a ciência e no século XXI chega-nos afirmando que a enologia, curiosamente, não é só Ciência mas também é Arte. O enólogo passou a ser um cientista que faz arte!

O Bluff separa a parte real do vinho com os conceitos de marca e atributos e/ou designações que não traduzem a tal verdade que o autor Guy Renvoisé citava, e que em muitos aspectos eu concordo.

Começamos pelas marcas: se nos anos 70 ou 80 teriam um peso ligado à empresa, posteriormente reconhece-se as siglas como uma forma de chegar ao consumidor. 
Se antes havia a empresa como um factor diferenciador da qualidade dos produtos, hoje escolhe-se nomes, por exemplo, de pássaros ou de instrumentos de música, dando-se sinais ao consumidor com um desenho que se esconde nas garrafeiras.

Algumas vezes, com isto perdemos identidade no vinho, e quando chegamos aos atributos e designações, aí então, a verdade transforma-se em legislação. O vinho Reserva, o Grande Reserva, o Escolha ou o Colheita Seleccionada, para mim é muitas vezes um autêntico bluff.

Terei de dar alguma razão a Guy Renvoisé: seria bom andarmos alguns anos para trás, pois o fácil é inimigo da qualidade, e ser capaz de transmitir qualidade na rotulagem, nas designações, é um princípio fundamental para um consumidor cada vez mais esclarecido.

"O vinho não se fabrica, pode-se construir uma viatura, mas um vinho elabora-se. Não é mais que um detalhe linguístico, mas ele tem muita importância na boca de um jurista." (Guy Renvoisé )

Mário Louro

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